Um pouco sobre a história do Aleijadinho:
Tirar arte de contexto é coisa que os museus fazem desde que foram inventados, na Revolução Francesa. Não atentamos para a violência quando se trata de algum totem indígena. Quando a religião é a nossa, a coisa fica mais clara.
Por isso, o CCBB montou um ambiente quase de igreja para a exposição do Aleijadinho. Escuridão, sons de sino e distanciamento entre obra e público, com estátuas e oratórios protegidos por vidros. Há também a evocação da riqueza, a matéria sugerindo o espírito, estratégia de todas as religiões quando ficam maduras e distantes de suas origens. Aqui, um setor dedicado ao ouro.
Espírito Santo em madeira policromada
Mas, ainda assim, é claro que as condições de recepção são bem outras do que as originalmente pretendidas. O resultado é estimulante. Pois ao diminuir o religioso, a arte sobressai. Não se trata da técnica, sempre tão louvada no artista. Mas no que ele trouxe de seu para um mundo tão ideologicamente pré-determinado.
Há uma tensão que é sempre a mesma, quando se trata de convivência de culturas e que é a da necessidade de escolha entre a riqueza simbólica da cultura dominada e a riqueza material da cultura dominante. Na biografia pessoal do artista, como se sabe, tratava-se de manter viva a herança materna, escrava negra do pai português. E com um agravante: a manutenção desse “outro” deveria ser feito em diálogo com uma instituição que pregava submissão e obediência, a Igreja.
retrato de Aleijadinho feito por Euclásio Pena Ventura em óleo sobre pergaminho
Na penumbra do CCBB fica mais fácil ver a subversão do poder. Nas expressões humanas dos santos, à la Velásquez, outro inadaptado. No Espírito Santo com todas as penas e garras de uma ave comum. Nos olhos de vidro das estátuas, um ponto de encontro de africanos, portugueses e, talvez, asiáticos de Macau.
Bem analisadas as coisas, não haverá pureza em parte alguma, ainda bem. O que comove em Aleijadinho é sua luta bem sucedida em manter o espaço já multidimensional do barroco aberto à inclusão de vestígios, rastros, necessariamente únicos, autorais, locais e temporais. A ecos de fiéis assim como aos de inconfidentes.
Na exposição, uma preciosidade: o filme dirigido por Joaquim Pedro de Andrade com roteiro de Lúcio Costa traz para nós a arquitetura do artista. Ao contrário das obras laudatórias, seus exteriores eram sóbrios. O interior é que merecia o detalhamento. Mas, nas estruturas e fachadas, um movimento de formas, uma energia que não havia antes.
Flávia
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