quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Virou Panqueca


Esse texto foi apresentado ao grupo pela Flávia no dia em que ela conduziu a roda e procurou despertar nos colegas a reflexão a propósito do sentimento de vingança do pombo , fazendo uma relação com a nossa realidade.

E vc o que diz?

Virou Panqueca

por Duilio Ferronato

Depois do horrível atropelamento da pomba Zizi, 4, o pombo Umildo, viúvo, não se conformava. Indignado, desabafou:

urbe: Como aconteceu esse terrível acidente?
Umildo: As pessoas não estão respeitando mais nada! A Zizi estava tentando levar um pedaço de pão para a calçada quando passou um moço e deu um chute nela. A coitadinha ficou tonta e não viu o carro vindo. Foi um atrás do outro. Ela ficou lá, amassada no meio da rua. E o moço ainda saiu rindo.

urbe: Que medidas o senhor pretende tomar?
Umildo: Primeiro, nós já sabemos onde o infeliz mora e trabalha, agora, estamos elaborando um plano de vingança.

urbe: Vingança ? Mas as pombas não são o símbolo da paz?
Umildo: Claro que somos, mas as pessoas perderam totalmente o respeito pelos outros seres vivos. Deixaram de construir nossos pombais, não nos dão mais alimento. Agora temos que fazer nossos ninhos em vãos e comer lixo. Nossa parceria com a humanidade já tem mais de 3.000 anos quando os faraós do Egito nos criavam por causa de nosso apurado senso de direção. Parece que isso não conta mais para ninguém.

urbe: Mas não são todas as pessoas que maltratam as pombas...
Umildo: Não, eu sei. Mas as crianças estão cada vez mais sendo criadas em casas sem terra, sem plantas e sem animais. Então como é que elas vão aprender a entender e respeitar outros seres vivos? Podem até não gostar de bichos e plantas, mas têm de respeitar. Eu também não gosto dos gaviões e dos gatos, mas respeito o papel deles na natureza.

urbe: Vocês têm problemas com os gaviões ?
Umildo: Coitados dos gaviões! Estão mais ferrados do que a gente. Eles só têm um filhote por ano, nós temos mais de dez. Eles só conseguem fazer seus ninhos em árvores altas. E você sabe: árvore alta está em falta.

urbe: Bom para vocês que eles estão longe daqui. E que tipo de vingança vocês pretendem contra o moço?
Umildo: Primeiro, é claro, o básico. Muito cocô na cabeça dele. Depois, cocô na comida dele. E, se continuar a maltratar as pombas, vamos encher a casa dele de cocô.

urbe: Eu pensei que só humanos fossem vingativos e que só nós armássemos estratégias para desmoralizar os adversários.
Umildo: E são mesmo! Mas nós resolvemos imitá-los. Agora vamos partir para o ataque, não vamos mais ficar só fugindo.

urbe: Mas vocês não perceberam que todas as pessoas que partem para a vingança incitam ainda mais o ódio e acabam infelizes?
Umildo: Uma coisa que você ainda não entendeu sobre nós as pombas: eu posso estar aqui falando que faremos isso ou aquilo porque estou com raiva agora. Mas é só agora! Amanhã, quando eu acordar, vou pensar diferente. Só vocês humanos é que têm a capacidade de montar grandes planos de vingança, envolver os outros nesses planos e dar continuidade a essa idiotice.

Hoje o pombo Umildo está na praça da República tentando arranjar comida e não pensa mais em vingança.

duilio@folhasp.com.br


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